Nota do PSOL sobre a tentativa de censurar o trabalho dos professores em Língua Portuguesa

A discussão do direito à educação é atravessada por intensa disputa em torno do sentido dessa garantia e, em geral, vem acompanhada do debate em torno da qualidade da educação. Qualidade é um conceito polissêmico e, igualmente, em disputa na sociedade.

Nesse sentido, há três eixos fundamentais sobre os quais sustenta-se esta breve nota: em primeiro lugar, a questão legal quanto aos direitos e garantias individuais e sociais previstos na CF/88; em segundo, as prerrogativas da relação ensino aprendizagem e, finalmente, algumas breves considerações sobre a especificidade do ensino da Língua Portuguesa à luz da legislação educacional. Preliminarmente, o direito à educação não se desvincula dos demais direitos e garantias individuais previstos no texto constitucional. É de entendimento comum que sua garantia só é possível se ancorada na “Livre Manifestação do Pensamento, sendo vedado o anonimato” (Art. 5°, inciso IV). Igualmente, o mesmo artigo, em seu inciso IX, afirma que é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença. É importante ressaltar que a garantia do direito à educação de qualidade não se materializa sem os demais direitos e garantias vinculados às tarefas da docência e sem a liberdade para o amplo debate de ideias, descobertas científicas, manifestações culturais, etc. A escola é o espaço privilegiado para esse debate: ela é o espaço do dissenso.
No tocante às prerrogativas inerentes à relação ensino aprendizagem, é essencial, para tanto, ampliarmos a estreita compreensão corriqueira de diversidade. Assim, em seu sentido amplo, diversidade implica reconhecer os povos indígenas, os quilombolas, negros e negras, mulheres, LGBTQIA+, as formas culturais e as práticas sociais pelas quais tais grupos humanos se nomeiam, se identificam e se reconhecem. Se a matéria fundamental da produção do conhecimento é a realidade concreta (e não peça de ficção, uma abstração ou algo criado e decidido por decreto ou diploma legal) a educação se ocupará de tudo o que se manifesta na natureza e nas práticas sociais, permeadas e construídas pela linguagem. Por fim, especificamente ao ensino de língua portuguesa, cabe ressaltar que o instrumento que normatiza os conteúdos sistematizados no currículo é a Base Nacional Comum Curricular, BNCC, que incorpora os princípios presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais, PCNs, e os amplia. Nele, há o estudo da linguagem oral (que pressupõe o estudo dos maneirismos, gírias, regionalismos, etc.), da linguagem escrita (tanto na dita norma culta, vernacular, seja na sua forma coloquial, popular), a análise e a reflexão sobre a língua. Aqui, observamos a preocupação dos autores em garantir a apropriação da diversidade da manifestação da língua, posto que é dinâmica e plural como a vida que objetiva expressar. A BNCC amplia esta compreensão ao orientar o estudo da leitura, da produção de textos, das variações inerentes à oralidade, da análise linguística e da semiótica, tendo em vista as múltiplas formas de composição e situação de produção, bem como seus efeitos de sentidos e seus suportes.
Diante desta breve elaboração, podemos fortemente concluir que não cabe a ninguém determinar, por meio legal, o que seria o estudo “correto” da língua, posto que a legislação em vigor, ancorada na Magna Carta, reconhece que os objetos de estudo da língua são construídos socialmente, e não modificados ou definidos a priori por um diploma legal. Por outro lado, cabe a todos nós, portanto, respeitar e tornar os conceitos por eles criados, objeto de análise e reflexão da (e na) linguagem. Justo o oposto do que propõe o arcaico e extemporâneo projeto de lei hoje em discussão.

Diretório Municipal de Juiz de Fora - Partido Socialismo e Liberdade